domingo, 6 de maio de 2012

ENRIQUECIMENTO ILÍCITO TEM QUE SER CRIME!

Milhares de políticos, juízes e fiscais devem ser pegos. Será preciso anular processos após a devolução do valor, pois nem há como julgar todo mundo. Não sou favorável a criminalizar tudo que a mídia e a população amedrontada entendem que deve merecer castigo penal. O direito penal, em razão da sua limitada capacidade de prevenção do delito, não deve ser usado como panaceia para a cura de todos os males sociais. Mas existem algumas condutas, nitidamente perniciosas para a convivência em sociedade, que não podem deixar de ser contempladas no novo Código Penal. É o caso, dentre outros, do terrorismo, da organização criminosa, dos crimes informáticos puros e do enriquecimento ilícito. Por maioria de votos, nós, membros da Comissão de Reforma do Código Penal do Senado, aprovamos a criminalização da conduta do funcionário público que adquire, vende, empresta, aluga, recebe, cede ou usufrui, de forma não eventual, de valores - ações, por exemplo - bens móveis - carros, joias - ou imóveis - apartamentos, terrenos - que sejam incompatíveis com os seus rendimentos. 

Alguns esclarecimentos relevantes: o ônus da prova do enriquecimento ilícito compete à acusação, que vai se fundamentar nas declarações de renda do acusado. O crime, de outro lado, é subsidiário, ou seja, só existe se não comprovada outra infração mais grave como peculato ou corrupção. Não provado o crime maior, pode haver condenação pelo menor. Por força de princípio constitucional, o réu não precisa provar que é inocente, mas se em sua defesa comprova a origem lícita dos bens, claro que não existe crime a ser punido. Duas são as penas previstas: prisão de um a cinco anos e confisco dos bens e valores adquiridos de forma ilícita. A pena mínima, por sugestão minha, acabou ficando em um ano para permitir a suspensão do processo, caso o acusado aceite fazer acordo e já devolver os bens ilícitos, além de cumprir outras medidas negociadas entre acusação e defesa. Pela quantidade de notícias, sindicâncias e CPIs em andamento, é de se presumir que milhares de servidores públicos - políticos, juízes, fiscais, governantes - estarão enquadrados no novo crime. 

A Justiça brasileira, como se sabe, não está preparada para processar todo mundo de acordo com o devido processo clássico, que é muito custoso e moroso. Não havendo acordo, o processo criminal caminha, mas a chance de prescrição é muito grande. A abrangência da nova lei, caso venha a ser aprovada pelo Congresso Nacional, é maior do que se pode imaginar. Ela vai incidir inclusive sobre os que estão usufruindo de bens indevidos conquistados antes dela, em virtude da natureza permanente da conduta “usufruir". Com a entrada em vigor da nova lei, o agente, já sob seu império, continuará cometendo o fato criminoso. Logo, vai se sujeitar às novas sanções, que são distintas das civis ou administrativas. As penas serão aumentadas da metade até dois terços se a propriedade ou a posse dos bens e valores for atribuída fraudulentamente a terceiras pessoas. Aqui, o que se pretende é a punição maior daqueles que se valem de "laranjas" para tentar camuflar a acumulação ilegal de bens. 

Não sou favorável ao abuso do direito penal, mesmo porque não confio muito na sua eficácia preventiva, mas ele se mostra adequado quando necessário para a moralização do comportamento dos agentes públicos – eleitos, concursados ou comissionados. A moralidade que deve reger a gestão da coisa pública - "res publica" - depende da eliminação da vulgaridade moral e ética que simboliza, desgraçadamente, o nosso país. 

LUIZ FLÁVIO GOMES, 54, doutor em direito penal, fundou a rede de ensino LFG. Foi promotor de Justiça (1980 a 1983), juiz (1983 a 1998) e advogado (1999 a 2001) 



Fonte: http://www.sergioboechat.blog.br/nota.php?l=bc18ae5aaa85c666a7056e25e7d08f42

Nenhum comentário:

Postar um comentário