Eu estava lá. Não como espectador, mas como parte daquele rio humano que invadiu as ruas de Resende há 12 anos, num dia que começou com protestos pacíficos e terminou com bombas, gás lacrimogêneo e a certeza de que algo maior estava acontecendo.
Era junho de 2013, e o Brasil inteiro estava em ebulição. Em Resende, não foi diferente. O estopim foi o aumento das passagens de ônibus — míseros 20 centavos —, mas todo mundo que estava lá sabia: aquilo não era só por causa do preço do busão. Era a gota d’água. A indignação vinha de anos de descaso, de promessas não cumpridas, de um sistema que parecia feito para esmagar quem dependia do transporte público, da saúde precária, da educação negligenciada.
Eu vi milhares, de pessoas avançando pela cidade. Gritos de "Não é só pelos 20 centavos!" ecoavam enquanto a multidão fechava ruas, ocupava avenidas e marchava em direção à prefeitura. Havia jovens, trabalhadores, mães com filhos no colo, idosos que já não aguentavam mais ser ignorados. A energia era de revolta, mas também de esperança — aquele tipo raro de momento em que você sente que, juntos, o povo pode mudar tudo.
Mas então vieram os confrontos. Enquanto a guarda municipal tentava proteger os patrimônios, a polícia avançaram com cassetetes, bombas de gás e balas de borracha. Eu me lembro do ar ardendo, dos corpos se jogando no chão, dos gritos de "Sem violência!" sendo abafados pelo barulho dos disparos. Vi gente correndo, gente ajudando desconhecidos, gente chorando, mas também gente voltando, resistindo. Não foi um motim — foi um levante. E, naquele instante, ficou claro que estávamos dispostos a pagar o preço por ser ouvidos. O prefeito da época era o José Rechuam, que foi solicitado para conversar com o povo na porta da prefeitura.
Os jornais da época reduziram tudo a "vandalismo" ou "baderna". Uns noticiaram os danos ao patrimônio público, mas pouco falou das razões da revolta. Portais destacaram os confrontos, mas não a coragem de quem enfrentou o gás lacrimogêneo para gritar por direitos. A grande imprensa tentou empurrar a narrativa de que eram "quebradores" ou "arruaceiros", mas eu vi professores, operários, estudantes — gente comum, sem bandeiras partidárias, só com a certeza de que já estava cansada de engolir abuso.
Onde estão esses revoltosos hoje? Alguns sumiram, desiludidos. Outros foram cooptados por políticos que sequer estavam nas ruas naquele dia. Muitos seguem lutando, mas agora em coletivos, ocupações, sindicatos ou nas redes, tentando manter viva a chama da resistência. E há os que, como eu, ainda se lembram — e sabem que aquele fogo não se apagou, só está adormecido. Ouço reclamações e murmurações de quem não aceita calado o que lhe é imposto, mas que não tem a coragem ou o apoio de antes para novamente "ir as ruas".
Hoje, quando vejo a política virar um trator passando por cima do povo, me pergunto: cadê aquele povo das ruas? Cadê aquele medo que a elite sentiu quando percebeu que a multidão não ia mais abaixar a cabeça?
Mas uma coisa eu sei: revoltas não morrem. Elas se transformam. E um dia, quando menos esperarem, a rua vai pegar fogo de novo. Porque 20 centavos nunca foram só 20 centavos. Eram anos de silêncio que um dia vão explodir outra vez.
Eu estava lá. E se for preciso, estarei de novo.
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