quinta-feira, 3 de julho de 2025

Quando a pressa vira agressão

Não assisti ao jornal. Vi o vídeo circulando nas redes sociais, como tantas outras cenas que viralizam no nosso dia a dia digital. Mas confesso que fiquei desconcertado com o que vi: um repórter da Band, Lucas Martins, empurrando a repórter Grace Abdou, da Record, durante uma cobertura ao vivo sobre o desaparecimento de duas adolescentes em São Paulo.

O gesto, por si só, já seria grave em qualquer contexto. Mas ali, diante das câmeras, em plena transmissão, com milhões de pessoas acompanhando, a situação se torna ainda mais simbólica. Um homem empurra uma mulher — colega de profissão — apenas para conseguir falar com uma testemunha primeiro. Tudo isso em nome da notícia.

Mas que notícia é essa que precisa ser conquistada à força? Desde quando o “dar primeiro” virou mais importante do que o “dar com responsabilidade”? O episódio me fez pensar no quanto a lógica da visibilidade tem distorcido a essência do jornalismo.

Não é mais só sobre informar. É sobre entregar emoção, impacto, exclusividade — mesmo que isso custe a ética, o respeito ou, como vimos, o bom senso. Nessa corrida desenfreada por atenção, a verdade parece muitas vezes perder espaço para o espetáculo. E quando isso acontece, a notícia deixa de ser um serviço para se tornar um produto. E dos mais perigosos.

Lucas Martins se retratou depois, em rede nacional. Pediu desculpas, reconheceu o erro. E é justo que o arrependimento seja ouvido. Mas também é justo dizer que um pedido de desculpas não apaga o que aconteceu. Ele empurrou uma mulher. Ele rompeu um limite que jamais deveria ser ultrapassado — o do respeito humano. E isso precisa ser levado a sério.

Eu sou — e sempre serei — defensor do bom jornalismo. A informação é vital para uma sociedade justa e consciente. Mas ela precisa ser feita com ética. Com calma. Com empatia. A notícia precisa ser dada, sim. Mas nunca às custas da dignidade de alguém. Nunca atropelando quem está ao lado.

Ver esse tipo de cena viralizando me deixa inquieto. Porque ela revela uma lógica cada vez mais comum: a do “vale tudo” por likes, por audiência, por relevância nas redes. O jornalismo não pode se deixar contaminar por essa pressa tóxica. Porque informar não é competir. É servir.

Que esse episódio sirva, no mínimo, como um alerta. Para quem faz jornalismo e para quem consome. O público merece mais do que barracos ao vivo. Merece verdade, equilíbrio, respeito e sensibilidade. A notícia tem poder — e com poder, sempre vem responsabilidade.

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